A Companhia de Jesus está em profunda decadência
24 de mai de 2024 às 16:19
Para o padre jesuíta Julio Fernández Techera, reitor da Universidade Católica do Uruguai (UCU), a Companhia de Jesus está em “profunda decadência”.
Techera escreveu em espanhol um ensaio crítico sobre o estado da ordem fundada por santo Inácio de Loyola em 1534 da qual faz parte o papa Francisco.
O ensaio Ad usum Nostrotum III (Para nosso uso III) escrito pelo padre Techera, dirigido aos seus irmãos jesuítas, circulou originalmente dentro da Companhia de Jesus. Agora, foi publicado pelo jornalista espanhol Francisco José Fernández de la Cigoña em seu blog no site InfoVaticana.
Com o subtítulo “Algumas considerações sobre o De Statu Societatis 2023”, o ensaio se refere ao relatório geral publicado pelo superior-geral da Companhia de Jesus, o padre venezuelano Arturo Sosa, em colaboração com os procuradores, com os quais se reuniu em maio do ano passado em Loyola, Espanha.
Os jesuítas tornaram-se uma “ONG progressista”
Na opinião do padre Fernández Techera, a “visão excessivamente tendenciosa” do relatório geral sobre a Companhia de Jesus “poderia perfeitamente ser a visão sobre o mundo de um think tank secular, ligado a um partido político de esquerda ou a uma ONG progressista”.
“Não se encontra naquela contemplação” que o relatório divulga “o olhar sobrenatural ou transcendente que se esperaria de uma ordem religiosa, apostólica e sacerdotal”, lamenta Techera.
“Há muitos sinais na vida atual das obras jesuítas, nos documentos que são publicados e nas orientações que são dadas, que dão a impressão de que estamos numa ONG e não numa ordem religiosa”, afirma o jesuíta. “O fundo de muitas dessas manifestações da ação dos jesuítas hoje está secularizado e perdeu sentido transcendental ou sobrenatural”.
Insatisfação, não crise vocacional
O documento é o terceiro de uma série que o padre Fernández Techera iniciou em 22 de abril de 2022. No primeiro ensaio, Ad usum Nostrorum, o padre diz que há muito tempo se sente insatisfeito com a situação da Companhia de Jesus, ainda que não esteja passando por uma crise vocacional nem pensando em deixar os jesuítas.
O segundo ensaio foi publicado em 27 de abril de 2023. No texto, o padre agradece as muitas respostas que recebeu, também de jovens jesuítas, e até de alguns que não concordaram com ele, mas agradeceram a oportunidade de discordar, debater e propor uma revisão.
O terceiro ensaio do padre Fernández Techera data de 22 de abril último, “Festa de Santa Maria, Mãe da Companhia de Jesus”.
Abusos sexuais na comunidade jesuíta: casos emblemáticos
“A Companhia vive situações muito preocupantes que parecem não ter sido abordadas na Congregação dos Procuradores e que não aparecem de forma clara e assumida no relatório De Statu. Para dar alguns exemplos. Em dezembro de 2022, soubemos do que um jesuíta italiano chamou de Tsunami Rupnik ”, indica o padre Fernández Techera em seu escrito.
Marko Rupnik padre expulso da Companhia de Jesus em 2023, foi acusado em 2018 de abusos sexuais, espirituais e psicológicos contra pelo menos 20 mulheres na Comunidade Loyola, que ele co-fundou na Eslovênia. Rupnik que continua a aparecer como consultor jesuíta e da Santa Sé no Anuário Pontifício de 2024.
O padre Fernández Techera refere-se depois ao “escândalo” de “abusos contra menores cometidos por alguns jesuítas na Bolívia e ao suposto encobrimento de vários provinciais que foram acusados no Ministério Público daquele país”.
“Tivemos que saber de tudo pela imprensa e não recebemos um único comunicado ou carta da Cúria Geral explicando o ocorrido ou pedindo orações pela província da Bolívia”, escreve Techera.
O principal acusado neste caso é o padre Alfonso Pedrajas que manteve um diário sobre os abusos que cometeu contra mais de 80 menores na Bolívia, Peru e Equador.
A banalização do discernimento
O De Statu fala de “uma espécie de ceticismo em alguns companheiros” em relação ao discernimento em comum, escreveu Techera. “Sou completamente cético com respeito ao discernimento em comum e creio que não somos alguns, mas muitíssimos os jesuítas que compartilhamos dessa convicção”, escreveu agora Techera.
Já no seu primeiro ensaio, o padre havia criticado o que vê como a “banalização do discernimento”: “Parece que tudo é discernimento, inclusive o que pessoas normais chamam de decisão, deliberação, discussão, troca, estudo, consideração etc.”
“Estou convencido de que o discernimento dos espíritos e a sabedoria de santo Inácio em praticá-lo são uma parte essencial da espiritualidade inaciana e jesuíta, e para todo membro da ordem que o conhece e pratica, é uma arma fabulosa para buscar e encontrar Deus em sua vida”, disse Techera em Ad Usum Nostrorum. “Mas não é um instrumento para o governo das pessoas, nem de comunidades, nem de trabalhos apostólicos”.
Para o padre, usar a palavra “discernimento” como palavra da moda “repetida uma e outra vez, banaliza-a e a distorce”.
“Nós a usamos e nosso ambiente a usa para ungir com autoridade ou respeitabilidade qualquer decisão tomada, e isso não ajuda o discernimento dos espíritos”, lamenta o jesuíta.
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