Sobre a história da Igreja
Joathas Soares Bello
A história da Igreja tem várias fases, todas com seus prós e contras. A Igreja apostólica já contava com anticristos/falsos doutores, como as epístolas católicas deixam bastante claro. Mas existe um movimento ascendente e outro descendente na relação Igreja-mundo.
O ascendente vai da perseverança nas perseguições (dos judeus e romanos) à liberdade e à oficialização, passando depois pela conversão das nações bárbaras até a formação da Cristandade, cujo auge é o século XIII (Universidades, Catedrais, Renascimento Urbano e Comercial, Inocêncio III, S. Francisco, S. Tomás, S. Boaventura, S. Antônio, S. Luís).
A partir daí -e não só da reforma protestante, como apregoam certos esquematismos muito simplistas, que não levam em conta algumas questões políticas e filosóficas que já surgem no séc. XII - a Igreja, do ponto de vista sociológico, começa a se contaminar pelo espírito mundano.
A Inquisição, mesmo a medieval, na prática foi um sistema a serviço do Estado, cuja vontade (concretamente a vontade da besta que foi o Imperador Frederico II) começa a prevalecer após a morte de Inocêncio III. Ainda que nem a Inquisição ibérica tenha sido o horror apregoado pelos historiadores, o que conta é o escândalo da violência aparente ou confusamente a serviço da fé.
O Tribunal da Inquisição na realidade foi incompetente, não foi capaz de perceber e eliminar a verdadeira tragédia para a fé: a filosofia nominalista antimetafísica, que inaugura uma época fideísta em teologia, legalista em moral e racionalista em filosofia (que culminará no imanentismo e no materialismo).
Muitos papas que se sucedem não têm autoridade moral e querem impor-se na base do "grito" (a bula desesperada de Bonifácio VIII), e o espírito nacionalista começa a germinar (guerra "dos 100 anos")... A "peste" e demais calamidades, como o Exílio de Avignon e o Cisma Ocidental, são avisos de Deus de que a Igreja começa a sua decadência (entenda-se, do ponto de vista político e sociológico).
Nos séculos XV e XVI, época do "Renascimento", a vida dos clérigos é marcada por um mundanismo blasfemo, que teve como castigo a ruptura da Cristandade com Lutero; e só uma graça especialíssima de Deus salvou a Igreja através de um papa do porte de S. Pio V (que implementou Trento e reformou o Missal) e da renovação católica que viveu a Península Ibérica, com a consequente (e tão denegrida) evangelização da América.
Mas veja-se que já neste momento o regime de Padroado atrapalha enormemente a missão da Igreja, a qual embora tenha se esmerado pela liberdade dos índios, não teve força para lutar suficientemente contra a escravidão dos negros, por exemplo.
Depois vêm as famigeradas "guerras de religião" (séc. XVII), em que os Estados Modernos nascentes utilizam claramente as confissões cristãs como motivos meramente ideológicos, para depois atribuir à Igreja a violência que na realidade é constitutiva do espírito moderno.
Tudo isso atrapalhou muito os frutos da reforma católica na Europa, preparou terreno para o liberalismo e a Revolução Francesa, em que o Estado usurpa o ideal cristão naturalizando-o. A luta inglória dos papas do séc. XIX contra o liberalismo, o caráter profético da Rerum Novarum e a recuperação do tomismo por Leão XIII, o combate de S. Pio X contra o modernismo, a gigante Teresinha, as missões, o movimento litúrgico, tudo isso fez com que a Igreja chegasse ao século XX purgada e renovada.
A Primeira Guerra deveria ter mostrado ao mundo o equívoco de se afastar do Cristianismo e abraçar as nefastas ideologias políticas modernas. Num primeiro momento, parecia que a Igreja permaneceria com toda a força, segue crescendo no entre-guerras, mas eis que o mundo resiste e surge a Segunda Guerra. Esta desemboca no monstro que é a ONU: agora, definitivamente, a Igreja passa a segundo plano, e é uma organização política mundana que se coloca acima de tudo como reguladora da vida de todos os povos, cristãos e não cristãos (como o falso "ser unívoco" de Duns Escoto pairava acima do "Ser Infinito" e do "ser finito").
O Concílio Vaticano II aposta num diálogo com este mundo moderno que tem significados diferentes para três tipos de participantes: os modernistas que não se deram por vencido e permaneceram na Igreja para impor sub-repticiamente suas ideias; os tradicionalistas que foram pegos de surpresa e não tinham muito a dizer; e inovadores da "nouvelle théologie" (como Balthasar, De Lubac, Ratzinger) ou da "fenomenologia" (Wojtyla), que procuravam pontos de contato com o mundo moderno sem renunciar à fé.
Apesar de belíssimos aprofundamentos e percepções, é inegável a presença de tensões e ambiguidades nos textos conciliares, algumas plantadas (como relatado por alguns modernistas) para colher o caos. O papado de Paulo VI, cujo único ponto positivo me parece ser a contestada Humanae Vitae (que ensinou a verdade sobre a regulação da natalidade), é marcado por uma espécie de esquizofrenia, que reconhece os males da péssima recepção do Concílio ("a fumaça de Satanás") e faz praticamente nada para freá-los (provavelmente um dos piores ou até mesmo o pior pontificado da história).
João Paulo II e Bento XVI (trato-os como uma mesma mente e coração), aos trancos e barrancos, com equívocos mas muito mais acertos, combateram o comunismo e a teologia da libertação, foram dando uma interpretação ortodoxa ao CVII, ensinaram a verdade moral sobre a vida e a família, insistiram na correção litúrgica, inclusive restabelecendo a Liturgia Tradicional, anunciaram a fé com destemor e amor, impulsionaram a conversão e o apostolado dos leigos e das famílias, atraíram muitos jovens aos seminários. Em suma, renovaram a vida da Igreja.
Os modernistas se deram por vencido? As confusões pós-Amoris Laetitia dizem claramente que não... E hoje a crise tem um potencial maior do que no pós-concílio, porque há meios de comunicação que são tanto mais rápidos como mais difundidos, e porque o papa Francisco dá mais corda à dialética teológica, o que em si não é ruim, mas que pôs a descoberto que a renovação de JPII e BXVI atingiu muito mais os fiéis leigos que os bispos e teólogos.
Existe hoje todo um trabalho no sentido oposto ao da reforma de Wojtyla e Ratzinger. Tem a mesma força? Não. Não pode ter. A força da verdade e da santidade é sempre maior que a do erro e da maldade. Sempre foi e será: da Igreja primitiva à apocalíptica. Sempre haverá mais bem que mal sobre a face da terra e esse é um dos sentidos do "non praevalebunt".
Talvez estejamos no tempo do fim. Pessoalmente penso que sim. As hostes do mal virão com toda a sua força. Vencerão? De modo algum! Inclusive é de se esperar um pequeno triunfo histórico ou temporal da Igreja Católica! É justo que o haja. Depois do que virá a perseguição final e o correspondente juízo.
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