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Casamentos que o Papa não abençoa.

 
 


No sábado, dia 13 de julho, poucos dias antes da chegada do Papa Francisco ao Brasil, casaram-se no Rio de Janeiro, Beatriz Barata, neta do maior empresário de ônibus do Rio de Janeiro, e Francisco Feitosa Filho, dono de outra grande empresa do ramo, no Ceará. Entre os mil convidados, fizeram-se presentes nomes renomados da aristocracia social e econômica do país, inclusive um ministro do Supremo Tribunal Federal. Tudo muito bonito! O único inconveniente foi o casamento – cujas despesas teriam girado em torno de três milhões de reais – ter sido realizado no clima de protestos que varria então o país. Centenas de pessoas se aglomeraram diante da igreja Nossa Senhora do Carmo – julgo, por isso, que os noivos fossem católicos – e, em seguida, em frente ao Copacabana Palace, reclamando contra a ostentação e o esbanjamento que julgavam exorbitante num país onde a saúde está um caos e a imensa maioria do povo se mata para sobreviver

Contudo, os gastos do casamento da Beatriz e do Francisco nada são se comparados com a espada de Dâmocles que ameaça a população brasileira, dividida em castas sociais. Enquanto uns poucos se banqueteiam num verdadeiro paraíso, longe dos problemas do povo, com salários que bradam vingança aos céus, outros morrem à míngua pela falta dos recursos mais indispensáveis. Ante uma realidade tão injusta e absurda, é tolice e hipocrisia queixar-se da violência que cresce em toda a parte. Felizmente, o povo está despertando, exigindo que, de fato e não só na teoria, o Brasil seja um país de todos e para todos.

Enquanto se celebrava o casamento no Rio de Janeiro, o Papa Francisco preparava a sua viagem ao Brasil. Em avião de carreira, como qualquer outro mortal comum. Embarcou carregando, ele próprio, a sua bagagem de mão. Nada de extraordinário para quem não quer que a religião se transforme numa válvula de escape para saciar os apetites visíveis ou subliminares de seus membros

Por falar em casamentos, o que é que Francisco pensa de sua celebração religiosa? Seu pensamento foi expresso no livro “Sobre o Céu e a Terra”, uma entrevista que concedeu quando arcebispo de Buenos Aires: “Se os atos litúrgicos se convertem em eventos sociais, perdem a sua força”. Um exemplo é a celebração do casamento. Há casos em nos perguntamos o que há de religioso nessas cerimônias… O ministro, talvez, faz um sermão sobre os valores, mas as pessoas aí presentes estão em outra sintonia. Certamente, se casam porque querem a bênção de Deus, mas esse desejo parece tão escondido… que quase não se vê! Em algumas igrejas, o que se percebe nos casamentos é uma competição feroz entre as madrinhas e a noiva no vestido (ou no “desvestido”). Para tais mulheres, o ato religioso nada significa: estão aí apenas para se exibir. Isso pesa em minha consciência, pois, como pastor, estou permitindo algo que não sei como É por esse e por outros motivos que o casamento religioso deveria ser reservado somente para quem acredita em seu valor e vive a fé que recebeu da Igreja.

Quando assumida conscientemente, a celebração litúrgica purifica, fortalece e diviniza um amor que, apesar de maravilhoso, é incapaz, por si só, de durar a vida inteira. Quem não tem a força para cumprir o que promete, não case – ou melhor, antes de dar o passo, busque a sua força em Deus! Se só casassem no religioso os que praticam a fé, então seria maravilhoso aderir ao que pede o “Catecismo da Igreja Católica”: «A celebração do matrimônio entre dois fiéis católicos ocorra normalmente dentro da santa missa, em vista do vínculo de todos os sacramentos com o mistério pascal de Cristo. É conveniente que os esposos selem seu consentimento de entregar-se um ao outro pela oferta de suas próprias vidas, unindo-o à oferta de Cristo por sua Igreja e recebendo a eucaristia, a fim de que, comungando no mesmo Corpo e no mesmo Sangue de Cristo, eles formem um só corpo. No “sim” a Deus os esposos encontram a força para renovar o “sim” entre si todos os dias “na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe” – se é que o consegue, já que «o amor é forte como a morte» (Ct 8,6)!

Dom Redovino Rizzardo
Bispo de Dourados (MS)

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