Pular para o conteúdo principal

Ritmos da história


Dom Luiz Demétrio Valentini*



Um dos mais lúcidos encontros acontecidos durante a estada em Roma dos bispos de São Paulo para a visita ad limina, foi o diálogo com o Cardeal Kasper, presidente do Conselho para a Unidade dos cristãos.

Ele acabava de retornar da Bielorússia, onde tinha participado de um encontro com representantes da Igreja Ortodoxa. Expressou sua convicção de que a unidade com  os ortodoxos irá acontecendo progressivamente, na medida em que for sendo realizada a reaproximação com eles, através de sinais de apreço mútuo, de respeito por suas tradições e de encontros para o convívio e o diálogo construtivo.

Assim como a separação entre a Igreja Oriental e a Igreja Ocidental, falando-se em termos de Europa, foi se estabelecendo lentamente, através de um distanciamento que poderia ter sido superado, assim a plena comunhão entre ambas precisará ser construída através de um lento processo de reaproximação, em que as diferenças poderão ser relativizadas, enquanto desaparecem as desconfianças, e a unidade vai se fortalecendo.

Ele chamou a atenção para a importância de superar preconceitos históricos, que ainda podem estar presentes. Eles alimentam ressentimentos que aos poucos precisam ser desfeitos por demonstração de mútua estima. Assim se fortalece a disposição de consolidar uma nova postura de respeito e de conhecimento mútuo, que abre caminho para a plena comunhão entre as duas grandes tradições eclesiais. que assim poderia se tornar referência para a tarefa mais complexa da superação das divisões acontecidas na Igreja Ocidental, fruto tanto da reforma protestante como do neopentecostalismo.

Para isto vale a pena o esforço de identificar as raízes desses preconceitos históricos, que pareceria terem já desaparecido, mas que ainda continuam. Ele citou, por exemplo, a susceptibilidade ainda existente na Igreja Ortodoxa com referência aos episódios acontecidos em Constantinopla, por ocasião das cruzadas na idade média, quando os exércitos ocidentais passaram pela antiga capital do império romano do oriente.  Eles recordam estes episódios como se fossem ainda recentes, quando na verdade já passaram tantos séculos, e os atores de hoje não tem mais nada a ver com eles.

Isto faz lembrar o testemunho de um dos membros do conselho para a unidade dos cristãos, que certa vez passou pela Grécia, para se encontrar com representantes da Igreja Ortodoxa daquele país. Como ele entendia grego, pôde escutar a conversa do povo, que perguntava ao padre ortodoxo quem era o visitante. O diálogo que ele ouviu foi surpreendente. O padre ortodoxo explicou ao povo que o visitante era enviado do Papa. O povo quis saber então quem é o Papa. Aí o padre ortodoxo explicou que o Papa era aquele que tinha mandado as tropas do seu exército invadir Constantinopla! De modo que em pleno terceiro milênio o Papa ainda levava a culpa da destruição de Constantinopla.

Fatos como este fazem lembrar os disparates ainda freqüentes de professores de história, nas escolas de hoje, que escondem sua ignorância e manifestam seus preconceitos com o seu esporte preferido de acusar a Igreja de hoje, atribuindo-lhe a responsabilidade por fatos acontecidos em outros contextos históricos, sobretudo aqueles relativos à inquisição na idade média.

Cada acontecimento precisa ser situado no seu tempo, e ser interpretado à luz das circunstâncias que o tornaram possível. Isto tanto mais se torna importante quando os acontecimentos fazem parte da história de uma instituição veterana, que ainda existe, como a Igreja, e que carrega o peso dos séculos que ela conseguiu atravessar. Ninguém se queixa, por exemplo, da destruição de Roma, que também aconteceu, mas hoje não existe ninguém que chora por ela. Mas a Igreja conservou sua identidade ao longo  dos séculos. Se queremos interpretar sua história, precisamos situar os acontecimentos em sua devida época. Caso contrário embarcamos na canoa furada dos preconceitos, que ainda são espalhados por aí, no mercado livre da ignorância e do despreparo profissional de professores que preferem o exercício cômodo das acusações ao trabalho árduo da pesquisa científica.

(*) Bispo Diocesano de Jales, no estado de São Paulo.



_____________________________________________________
desenhista animador
cm
fone: 55 (21) 2.605.5250
www.estudiomartins.com.br

Chat Google Talk: pendotiba
Contact Me YoutubeFacebookOrkutBlogger


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Porque chamamos as pessoas de "senhor" ou "senhora"?

Rodrigo Lavôr No Rio, quando você chama alguém de "senhor" ou "senhora" é comum que as pessoas te respondam: "deixa de ser formal. O Senhor ou a Senhora estão no Céu!". Trate-me de "você"! Bem, não deixa de ser bonito, dado que "você" é abreviação de "vossa mercê". Porém, por desconhecimento da raiz latina da palavra "senhor", perdemos muitas vezes a oportunidade de receber um grande elogio. "Senhor" vem de "dominus, i", o que significa: senhor, dono. Antigamente, se dizia "senhor" e "senhora" a toda pessoa a qual se desejava dizer: "você é dono (a) de si mesmo (a)", ou seja, você é uma pessoa madura, que tem "self mastery" ou uma pessoa muito virtuosa porque tem areté (= virtude, no grego). Sendo assim, não percamos a oportunidade de deixar que nos chamem "senhores de nós mesmos" quando acharmos que as coisas, de fato, são assim. Não tem nada a

25 de março - fundação da primeira Congregação Mariana no mundo.

25 de março - solenidade da Anunciação do Senhor (Nossa Senhora da Anunciação) fundação da primeira Congregação Mariana no mundo Roma, 1563. "Roma e o Colégio Romano estavam fadados para o berço da primeira Congregação própriamente Mariana, cuja fundação Deus reservara a um jesuíta belga: o pe. Leunis. Em 1563 reunia este Padre, no princípio semanalmente, depois cada dia, aos pés de Nossa Senhora, os seus discípulos e muitos que não o eram, orando todos à Ssma. Virgem, e ouvindo a seguir uma breve leitura espiritual. Nos Domingos e Festas cantavam-se ainda as Vésperas solenes. Um ano depois, em 1564 eram já setenta os congregados e davam-se as primeiras Regras, cujo teor em resumo era: Fim primário: progresso na sólida piedade e no cumprimento dos próprios deveres, sob a proteção e com a ajuda da Virgem Ssma. Meios: confissão semanal, ouvir Missa cada dia, rezar o Rosário, e fazer outras orações do Manual. Nos dias de aula, depois desta, um quarto de hora de meditação, e ou

Um olhar por trás da controvérsia da Eucaristia da JMJ Lisboa

  por Filipe d'Avillez 11 de agosto de 2023 . 14h08     Enquanto a Jornada Mundial da Juventude de Lisboa termina, o debate persiste sobre algumas decisões litúrgicas tomadas durante o festival de uma semana realizado para peregrinos católicos de todo o mundo.  O Papa Francisco disse que Lisboa foi a Jornada Mundial da Juventude mais bem organizada que ele já viu como papa, mas alguns católicos estão criticando, com polêmica nas redes sociais sobre o tratamento da Eucaristia em Lisboa.  A Eucaristia reservada em uma tenda na Jornada Mundial da Juventude, na forma prescrita pela Fundação Jornada Mundial da Juventude. Crédito: MN. Havia dois pontos principais de discórdia. Uma delas tem a ver com a cibória usada numa missa ligada à Jornada Mundi