Os desabrigados diante da Catedral do Rio; ou: a caridade e a politicagem
André Luiz*
Não tive nenhuma educação religiosa quando criança dado que meus pais
sempre se mostraram indiferentes quanto à vida espiritual. Ainda assim
sempre fui vividamente interessado no tema. Minha fé juvenil era
alimentada por filmes cristãos que costumavam passar no fim do ano e na
Semana Santa e por leituras do Evangelho, que eu realizava desde
infante. A história de Cristo me fascinava e Sua Paixão me despertava
profunda reverência. Por isso também um dos meus 'sonhos de criança',
nunca realizados, era ver a encenação da Paixão e Ressurreição de Cristo
que começava a ser feita nos Arcos da Lapa. Era um espetáculo de muito
maior visibilidade que hoje, em uma cidade e um país bem mais
católico-romanos e religiosos. A encenação deste ano, que sequer seria
realizada na Lapa mas na Catedral Metropolitana, foi cancelada pela
Arquidiocese. A causa, porém, não é o desinteresse crescente dos
cariocas e sim os rumos que tomaram a desocupação da chamada ''favela da
Telerj''.
O que me chamou a atenção não foi o protesto dos desabrigados em frente à
Prefeitura nem tampouco o uso de força policial para retirá-los de lá
ou as promessas vazias de governantes fingindo se preocupar com os
sem-teto. E sim que alguns, que não são necessitados, resolveram
levá-los para a Catedral do Rio em plena sexta feira santa; logo se
espalhou nas redes sociais um certo repúdio por parte de esquerdistas
com a decisão da Arquidiocese de não deixá-los ocupar o local. Um colega
meu, professor, chegou a dizer que ''a Igreja do Rio o envergonhava'' e
que ''se uma igreja não servia para ajudar as pessoas então não sabia
para o que servia'', típica visão secular que não imagina outra função
para a religião se não aquela que a torna em mero meio de filantropia
burguesa. Retruquei que ele podia não saber, mas os católico-romanos
sabiam: trata-se de um Templo, um local de culto ao sagrado, não um
abrigo público, e que a Igreja se dispôs a ajudar de outras formas,
intermediando uma solução com a Prefeitura e doando alimentos. O colega
não aceitou minha resposta. Para ele é inconcebível que a Catedral
Metropolitana não seja ocupada por tempo indeterminado, só resolvendo se
calar quando perguntei, educadamente, quantos desabrigados ele estava
alojando na sala de sua casa.
Mais uma vez os necessitados ficam em um fogo cruzado, explorados por
uma associação entre poder econômico e político, e manipulados por gente
que demonstra pouca preocupação com sua situação real. Chegaram a
entrar em acordo com a Arquidiocese, que se ofereceu como mediadora
entre eles e as autoridades governamentais, mas, depois de ''ouvirem sua
assessoria'', voltaram atrás. Esta mesma ''assessoria'' os levou em um
caminhão para a Catedral e, temerosa de perder o controle sobre eles, os
proibiu de dar entrevistas.
Evidente que se trata de dar visibilidade ao protesto contra o prefeito e
o governador em plena Semana Santa, acrescentando uma grande dose de
crítica rasteira à Igreja, acusando-a implicitamente de não dividir seus
bens com os pobres, e denunciando a suposta proximidade entre Dom Orani
Tempesta, Cardeal do Rio, com Eduardo Paes. Nada além de disputa
política-partidária de baixo nível sem nenhum compromisso humanitário
real. Maior dignidade teriam se abrissem as sedes dos partidos políticos
existentes no centro do Rio para ajudarem provisoriamente esta boa
gente e que colocassem o foco na resolução de seu verdadeiro problema: a
recusa do Estado em oferecer-lhes não um abrigo -- algo que os
necessitados já disseram não querer -- e sim uma moradia ou, no mínimo,
aluguel social.
Mas a magna virtude da caridade, ensinada e praticada por instituições
como a Igreja Católica, nunca foi o forte da esquerda marxista, que
sempre defendeu que aqueles que desse modo ajudassem os pobres acabavam
por preservar e perpetuar o sistema sócio-econômico capitalista, e,
portanto, a injustiça. Não é surpresa que odeiem tanto os templos dos
católico-romanos, que cismam, ó horror, em dar maior valor às pessoas do
que à mera manobra politiqueira.
(*) http://andreluizvbtr.blogspot.com.br/2014/04/os-desabrigados-diante-da-catedral-do.html?spref=fb
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