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"Tradicionalistas", "conservadores" e "progressistas"

Joathas Soares Bello

1) Tradicionalistas



Bento XVI gosta de falar da "Tradição viva" da Igreja. Obviamente alguns "tradicionalistas" sentem calafrios. Entre eles há vários que tratam a Tradição como algo do "passado". Um passado que haveria terminado, teologicamente, no século XIII (com o eminente Doutor Angélico), e magisterialmente em Pio XII (cujas encíclicas são, de fato, excelentes).

Eles estão certos em defender a Missa "de São Pio V". Quem quer que leia a Sacrosanctum Concilium e conheça (existencialmente) aquele Missal tradicional não pode imaginar ou desejar (toda) a reforma verificada no Missal de Paulo VI. Não se trata só dos "abusos", mas de modificações que objetivamente não foram para melhor; e nem falo da tradução do missal ao vernáculo, pois o latim é um acidente importante daquele Missal, mas acidente. Sem entrar em detalhes da teologia dos missais, a destruição da música sacra, por exemplo, é uma lástima não compensada pela "participação", porque a música sacra é um acidente "próprio" da missa e a música péssima atual perturba a recepção da graça: já é preciso ser bastante compenetrado para superar o obstáculo, quando a música deveria ser uma ajuda ("conservadores" rubricistas e, no fundo, voluntaristas, tendem a minimizar a questão, que não tem nada a ver com "esteticismo"). Se a Igreja pode certamente mudar em alguma medida os ritos, é porque eles não são absolutamente infalíveis, e se assim o é, então não há problema algum em verificar e dizer que dada mudança foi para pior; a graça pressupõe a natureza e não há alguma necessidade teológica de afirmar a santidade e a sabedoria dos reformadores, em face dos frutos. O Missal é ortodoxo (foi chancelado por um Papa, teve a definição heterodoxa de missa da IGMR corrigida), tem coisas boas (eu acredito que o ciclo trianual de leituras é algo excelente ou que a oração dos fiéis é um bom retorno), mas isso não significa que necessariamente representou um "avanço".

Eles estão certos em defender que, em tese, o Estado Confessional é melhor que o Estado laico. Como um Estado em que a maioria da população confessa (sinceramente e não por imposição -liberais e laicistas, e até o Jacques Maritain têm uma dificuldade infinita para entender isso) a Verdade seria pior que outro onde há o pluralismo religioso?! Alguns, porém, defendem um certo espírito inquisitorial que se voltaria contra eles mesmos na atual conjuntura!

Os "tradicionalistas" ensinaram duas coisas interessantes (e verdadeiras): a primeira é que é possível criticar o Magistério não infalível (desde que se tenha o devido preparo e reta intenção). Algumas críticas que fazem são justas: é tapar o sol com a peneira dizer que não há ambivalências nos textos do Vaticano II, ou que a doutrina da Liberdade Religiosa já foi bem explicada e harmonizada com o magistério precedente; ela não o foi, por nenhum teólogo acadêmico reconhecido como douto, ou por algum papa pós-conciliar, nem mesmo pelo grande Bento XVI (provavelmente o maior teólogo contemporâneo e um possível Doutor da Igreja), que deu pistas importantes no seu famoso Discurso á Cúria sobre a "hermenêutica da continuidade" (o mesmo problema se encontra, por exemplo, no famoso capítulo VIII da Amoris Laetitia; dizer que ali há clareza ou se escusar dizendo que não se pretende entrar em casuísmo não é uma resolução verdadeira ou prudente, em face das várias loucuras que muitos bispos estão autorizando).

A segunda, que é possível criticar ações dos papas: é evidente que João Paulo II errou no Encontro de Assis, no beijar o Alcorão, ao receber o sinal de uma falsa divindade pagã; é evidente que Francisco, quando fala de improviso e/ou em entrevistas, diz coisas imprecisas ou até equivocadas. É justa a liberdade de dizer isso.

Mas "tradicionalistas" geralmente são imprudentes: não têm senso prático para perceber as oportunidades (deixando de lado a questão das consagrações, voltar sob Bento XVI era o óbvio ululante).

É preciso viver a liberdade dos filhos de Deus. Algo dela os tradicionalistas nos ensinaram ("progressistas" querem ver bondade em tudo que é porcaria, e atiram pedras nos fiéis tradicionalistas de uma forma decididamente injusta). Mas esta liberdade e a parrésia devem ser prudencialmente contextualizadas no presente e diante das vicissitudes da Igreja, como ela se encontra na história, aqui e agora. Isso não significa ocultar os erros eclesiásticos -não eclesiais!-, ou não advertir as imprecisões e equívocos do Magistério não infalível, mas entender que sempre houve limitações (como, por exemplo, compreender que todo herege numa pátria cristã é um sedicioso, autorizar sua tortura, ou submeter-se ao padroado) e que não se deve idealizar o passado. Os problemas de agora são piores, em virtude de seu alcance, uma vez que o mundo é global: o que um papa ou um bispo faz de bom ou de ruim pode atingir todo o orbe terrestre. O que significa, portanto, que os bens também podem ser maiores! "Não tenhais medo!", dizia o Papa Wojtyla.

(continua)



PS: não falo dos "sedevacantistas"; dentre estes, percebo que alguns são cultos doutrinariamente, mas muitos são burros e/ou fazem juízos peremptórios temerários ou cretinos: afirmar que o saldo de João Paulo II não foi bom para a Igreja (no contexto concreto em que ela se encontra e diante de suas possibilidades concretas) ou que ele não se converteu de seus equívocos e se santificou, ou, ainda pior, que foi um "herege" (como se cometer erros, ainda que teológicos, de boa fé e sem advertência de um superior configurasse esse pecado) e um "anticristo", etc., é mesmo uma maldade. Indo além, apesar de todos os defeitos de Paulo VI, a Igreja não poderia viver sem a Humanae Vitae, por exemplo.

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