Entre todas as paixões, a paixão chamada “amor” é a mais indomável. Melhor dizendo: falando francamente, eu não daria muito por um amor que jamais exagera, por uma amor que observa todas as conveniências, as normas, e que sabe se conduzir, em qualquer ocasião, segundo as regras de um bom gosto perfeito.
Qual a mãe, qual marido ou esposa, qual apaixonado, rapaz ou moça, querendo distinguir sua afeição, não diz mil extravagâncias, das quais se arrependeria, se um estranho porventura as estivesse ouvindo? Essas extravagâncias, entretanto, não desagradam seus destinatários. Acontece que, muitas vezes, os escritos vazam, e os jornais deles se apoderam; então, aquilo que saiu do frescor de um coração, interpretado pelo tom da voz, pela expressão da fisionomia, talvez até impregnado de charme, pode, ao contrário, oferecer um triste espetáculo quando exposto cruamente aos olhos da multidão.
Assim acontece com os sentimentos de devoções. Pensamentos e palavras inflamadas, são tão expostos à crítica, que chegam a ultrapassá-la. Aquilo que de per si é excessivo e escandalizado pode ser pertinente e belo para certas pessoas, e tornar-se censurável apenas no raciocínio de outros que os imitam. Quando colocado sob a forma de meditações ou de exercícios, torna-se tão chocante quanto cartas de amor em um relatório policial.
bem-av. John Henri Newman
Carta a Pusey, 1866
(Carta a um irmão separado sobre a devoção mariana dos católicos)
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