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É possível definir a arte?


Por Rodolfo Papa*

Que é a arte? Frente a esta pergunta, vem à mente a situação descrita por Santo Agostinho no livro XI de suas Confissões, a propósito da pergunta “Que é o tempo?”: se não me pergunto, sei; se me perguntam, não sei.

Sente-se a necessidade de definir o significado do termo, ainda que ao mesmo tempo se advirta uma dificuldade definitória. De fato, circunscrever o significado da arte excluiria, talvez, novidades e experimentações, ou, ao contrário, mantê-lo fluido e susceptível de infinitas interpretações anularia, quem sabe, sua identidade.

Na teoria da arte convivem posturas diversas: tentar definir e analisar até o esgotamento de cada interrogante; ou bem renunciar a uma definição frente à proliferação das perguntas; ou inclusive identificar a arte só com um de seus aspectos: uma disciplina particular, uma corrente particular, uma época histórica particular.

A questão é difícil, e para ser enfrentada requer esclarecimentos prioritários. Tentaremos só traçar um percurso possível, sobretudo delineando suas tarefas. Antes de tudo, que quer dizer “definir”? Definir significa explica “o que é”, e portanto implica o conhecimento, ainda que não seja exaustivo, do que se define; além disso, definir não significa oprimir uma realidade dentro de uma palavra, mas, ao contrário, buscar um discurso que saiba dizer a própria realidade. Portanto, não há de se ter medo das definições, como se fossem prisões. Ademais, as definições podem ser de muitos tipos, segundo o objetivo e o tipo de conhecimento que se quer ou se pode conseguir. Pode-se definir o “nome” ou também o “objeto”. No primeiro caso, estamos frente a uma definição nominal, que pode por sua vez consistir na etimologia, na explicação do uso comum do termo, ou bem na especificação de usos particulares, relativos a um contexto ou a uma pessoa. No segundo caso, encontramo-nos frente a uma definição “real”, que pode consistir na explicitação das causas e dos princípios, ou também na determinação de gênero e diferença específica, ou também pode se diluir em uma descrição.

A tradição clássica (Aristóteles, Tomás de Aquino, só para colocar alguns nomes) nos oferece uma definição real de ars, segundo gênero e diferença: ars est recta ratio factibilium, quer dizer, a arte é a razão correta das coisas que se fazem. Portanto, o gênero é a recta ratio, e a espécie se diferencia com a referência aos factibilia, às coisas que se fazem, se produzem. A arte se coloca assim entre as virtudes dianoéticas, quer dizer, entre as perfeições da alma racional; ademais, está estreitamente conectada com o conhecimento e com a fabricação de objetos. Poderíamos dizer que a arte é um “saber fazer”. Trata-se de uma definição muito ampla, que contém todas as modalidades do “saber fazer”: desde fazer mesas a escrever poemas, desde pintar a cozinhar, desde que estejam bem feitos, com recta ratio.

Dentro desse conceito tão vasto, facilmente se estabelece uma distinção entre as artes conotadas principalmente pela beleza e as artes conotadas principalmente pela utilidade. Trata-se de uma distinção não excludente, no sentido de que também uma mesa, que é útil, pode ser bela, e também um monumento, que é belo, pode ser útil. Dentro das artes belas, vemos uma grande variedade de operações e funções, que delineiam os diversos âmbitos das disciplinas artísticas. Precisamente neste nível se estabelece o problema de uma definição comum. Parece-me que a forma melhor de proceder para contribuir para a definição de arte é buscar, agora, uma definição das diferentes disciplinas artísticas. Uma tradição que remonta a Plínio, retomada por Leonardo, diz que a primeira disciplina artística é a pintura, da qual surgiram depois a escultura e pouco a pouco todas as demais. Sabemos que no Renascimento refletiu-se muito sobre a “comparação das artes”, quer dizer, sobre a avaliação dos aspectos comuns e sobretudo dos distintos, com o fim de entender qual era a rainha das artes. Isso contribuiu para uma avaliação dos aspectos específicos de cada disciplina, com uma forte consciência dos procedimentos técnicos, aos que se dedicaram muitos tratados e manuais, como por exemplo o Livro de pintura de Leonardo. Parece-me que este caminho é muito proveitoso, porque precisamente partindo da prática da pintura, da escultura, da arquitetura... chega-se a definir o que é cada uma. E é também importante que esta reflexão tenha vindo e venha dos próprios artistas, o que evita a sensação de falta de conexão entre as artes e a teoria das artes, tão frequente na contemporaneidade.

Dentro do itinerário de busca de uma definição universal de arte, adquire um valor muito significativo a busca dos princípios e das regras que definem cada disciplina artística. Cada uma tem uma tarefa específica, meios e metodologias próprias, tradições e mestres, paradigmas e princípios. Parece-me um campo muito fecundo, que não nega desenvolvimentos e progressos, mas que ao mesmo tempo permite identificar uma disciplina e cultivá-la. Proporciona também a instrumentação teórica para reconhecer a própria disciplina, para afirmar, por exemplo, que Monet é tão pintor como Giotto, mas também para negar que decoração e performance seja pintura. De fato, as inovações que acontecem em uma disciplina podem fazer crescer notavelmente a própria disciplina, mas há inovações que, ainda que frequentemente nascem dentro dela, no entanto ficam fora e não formam parte dela. Assim, por exemplo, a pop art e a decoração não entram na disciplina da pintura, porque sobrepassam seus meios, seus fins, a tradição, o âmbito, e chegam a definir uma disciplina diversa, nova, com finalidades e formas de execução próprias: não se trata da superação da pintura, mas talvez do nascimento de uma nova disciplina artística. A distinção que se estabelece entre as artes tradicionais, pintura, escultura, arquitetura, poesia, música... se estabelece também a respeito das novas, como a fotografia, o cinema, etc. Por exemplo, os fundamentos da pintura são diferentes dos da arquitetura, e ainda que possam ter partes em comum, têm objetivos e regras diferentes. 

Portanto, a definição da arte deve ser tal que possa compreender todas e cada uma das artes, que têm seus próprios princípios e fundamentos que a distinguem das demais e a definem em sua própria identidade.

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* Rodolfo Papa é historiador da arte, professor de história das teorias estéticas na Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma; presidente da Accademia Urbana delle Arti. Pintor, autor de ciclos pictóricos de arte sacra em várias basílicas e catedrais. Especialista em Leonardo Da Vinci e Caravaggio, é autor de livros e colaborador de revistas. Desde 2000, assina uma coluna de história da arte cristã na Rádio Vaticano.

ROMA, quinta-feira, 6 de outubro de 2010 (ZENIT.org)


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