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testemunhos

O brâmane e Nossa Senhora

Por Jean-François Thibeault

Um canadense passou toda a juventude viajando pela América à procura da verdade. Sua jornada conduziu-o ao movimento Hare Krishna, e ali chegou a ser brâmane da maior comunidade no Ocidente. Depois de quinze anos construindo templos hindus, Nossa Senhora mostrou-lhe que tinha outros planos para ele.


A ascese, o fervor e a pobreza dos Hare Krishna atraíram-me para o seu movimento. Tinha-me impressionado principalmente a entrega total de si mesmos que praticavam a fim de espalhar a mensagem da Bhagavad-gita, e a riqueza das escrituras hindus havia-me fascinado.

Vivi por quinze anos numa vila Hare Krishna de cerca de 500 membros, que se estendia por uma superfície de vários quilômetros quadrados na Virginia Ocidental (Estados Unidos). Projetava-se construir ali sete templos sobre sete colinas, como na cidade indiana de Vrindavan.

Como primeiro discípulo do guru da comunidade, eu era o responsável pela construção desses templos. Logo que se acabou de construir o primeiro palácio, dedicado à memória do falecido guru fundador, tornei-me o pujari, o brâmane residente desse templo, responsável pelo culto e pela pregação. Era um verdadeiro palácio: possuía cinqüenta variedades diferentes de mármore, envoltas em molduras folheadas a ouro.

Casado e pai de um garotinho, eu jantava diariamente com a minha família, mas nunca dormia em casa. Por volta das dezenove horas, retornava ao palácio para servir de guia aos turistas, pois aproveitávamos a opulência do templo para atrair-lhes a atenção e iniciá-los na doutrina da reencarnação, no bhakti-yoga e no mantra.1


ESCAPAR AO CICLO DAS REENCARNAÇÕES

Os escritos hindus propunham um método que parecia ser capaz de elevar-me acima de todo o desejo sensual, de qualquer tentação, a fim de que eu pudesse finalmente escapar do ciclo de reencarnações, atingindo um amor puro a Deus.

Comer carne, peixe, ovos, tomar bebidas alcoólicas, café, chá, fumar, assistir à televisão, ouvir música profana e, principalmente, ter mais de uma relação sexual por mês com a esposa, tudo isso eram pecados para os devotos de Krishna. O dia começava às três da manhã com três horas de ofício religioso e, à noite, voltávamos ao templo para adorar os ídolos e para uma sessão de perguntas e respostas com o guru.

Ao longo de todos aqueles anos, eu sentia repugnância pelos cristãos, e adorava ridicularizá-los durante os passeios guiados. Jesus morrera pelos pecados? Eu replicava aos turistas que Jesus vivera para que eles parassem de cometê-los.



POR QUE VIVER?

Como fui parar lá? Eu era um adolescente tão apaixonado pela liberdade que não queria fumar, beber, usar drogas ou tomar café, tudo para não criar qualquer tipo de dependência. Uma bolsa de estudos permitiu-me estudar num colégio particular muito renomado de Montreal. Estava rodeado de alunos muito mais ricos do que eu, mas pude observar que não eram felizes. Além disso, uma experiência marcou-me especialmente: um professor de religião que tinha vivido na América do Sul escolheu alguns alunos para uma experiência de três dias num “Campo de Educação para o Desenvolvimento Internacional”. Objetivo: expor-nos dramaticamente às condições de vida do terceiro mundo. Voltei de lá marxista, e ainda mais enojado com um mundo em que todos ou são exploradores ou explorados.

Aos dezessete anos, decidi não completar os meus estudos e sair pelo mundo apenas com a minha mochila. Pedia carona e algumas vezes tomava trens de carga. Embora tivesse partido sem dinheiro, fazia questão de não mendigar: comia tão-somente o que me davam os motoristas. A minha vida transformou-se num lento suicídio, porque eu queria saber se era nas proximidades da morte que se encontrava um sentido para a vida.

Foram centenas as pessoas que me levaram nos seus carros. Eu as questionava à busca de respostas e jamais encontrei entre elas um cristão de verdade. Vivi dessa maneira por vários meses e percorri trinta mil quilômetros através do Canadá e dos Estados Unidos. Quase sempre dormia a céu aberto e o contacto com a natureza produziu em mim um maravilhamento diante da sua grandeza. Seria toda aquela beleza fruto unicamente de mutações aleatórias e da seleção natural? Em determinado momento, disse comigo: “Deus, se você existe, mostre-me, pois caso contrário não vejo nenhuma razão para continuar a viver”. Finalmente, depois de muito tempo viajando, depois de ter roçado a morte várias vezes, comecei a sentir-me protegido. Descobrira finalmente um sentido para a vida: buscar Deus e a sua Vontade.

Já levava um ano fora de casa quando decidi terminar a minha viagem em Berkeley, perto de São Francisco, na Califórnia. Duas vezes por semana, vendia o plasma do meu sangue. Dormia numa árvore situada no alto de uma colina que dominava a cidade e fingia ser aluno da Universidade a fim de poder tomar banho ali e usar a biblioteca. Lia a Bíblia, o Alcorão, a Bhagavad-gita, à procura de uma religião que pudesse ensinar-me a verdade sem erros.

Certa noite, estava dormindo na minha árvore quando fui acordado por alguém que me atirava pedras. Era um policial que me disse ser proibido dormir ali. No dia seguinte, bati à porta de uma pequena igreja em cuja fachada piscava um néon com a frase “Jesus saves” (“Jesus salva”). O pastor ofereceu-me um quarto e perguntou-me se eu queria conversar, mas eu estava cansado demais para isso.

Antes de dormir, quis ler a Bíblia, mas na gaveta do criado-mudo só encontrei revistas pornográficas. Naquela noite, tomei uma decisão: já era tempo de escolher uma religião e começar a praticá-la. Aquele pastor, que no dia seguinte me fez propostas de natureza sexual, fez crescer ainda mais a minha repugnância pelos cristãos, que se julgavam salvos e passavam a vida em frente à televisão, que bebiam e fumavam enquanto havia gente sem comer. Foi então que me fiz Hare Krishna.


ABERTURA AO DIÁLOGO

Quinze anos mais tarde, onde estava eu? O meu trabalho na construção dos templos deixava-me exultante e eu me orgulhava diante dos turistas por ter respostas para tudo. Contudo, durante a noite, quando me encontrava a sós no palácio, um mal-estar apoderava-se do meu espírito: eu não me tinha transformado num ser purificado como esperava. Era atormentado por uma questão: e se, mesmo depois de centenas de reencarnações, eu continuasse tão pecador como sempre?

A minha comunidade Krishna queria melhorar a sua imagem aos olhos do público. Passamos a levar comida às famílias pobres das cidades vizinhas e queríamos abrir-nos ao diálogo inter-religioso. Um casal de católicos veio então morar na comunidade. Tinham estado diversas vezes em Medjugorje.2, e a mulher tivera um sonho no qual Maria lhe pedia que construísse, na nossa comunidade, uma capela dedicada a Ela..

O casal pediu-me que os ajudasse nessa construção e eu cedi-lhes o meu braço direito, o meu melhor amigo. Para minha grande surpresa, passadas algumas semanas, vi o meu amigo, que era de uma família judia de origem russa, com um terço na mão. Disse-me que rezava os mistérios gozosos de manhã, os dolorosos ao meio-dia e os gloriosos à noite. Eu não conseguia entender como aquele brâmane erudito podia ter caído tão baixo! Seria que aqueles católicos lhe haviam feito uma lavagem cerebral?

Combinamos encontrar-nos no palácio depois das nove da noite para que ele me contasse como tinha chegado a esse estado. Assim que entrou, tranquei a porta, decidido a não o deixar sair de lá antes de fazê-lo voltar ao hinduísmo. Pediu-me que assistisse a um vídeo sobre as pretensas aparições em Medjugorje. Aceitei apenas com a intenção de mostrar-lhe que aquilo não passava de balela; contudo, fiquei fascinado com as palavras da Virgem. Todos os meus sistemas intelectuais de ataque e de defesa puseram-se de pé. Sentia-me atormentado, mas ao mesmo tempo queria ouvir o vídeo...

De repente, senti um calafrio: era como se alguma coisa descesse sobre mim ou brotasse do meu íntimo. Soube que Jesus é a Verdade e que Nossa Senhora me conduzia a Ele. Quando a fita acabou, estava boquiaberto. Pedi ao meu amigo que me deixasse só. Fui deitar-me imediatamente, dizendo: “OK, Maria, você realmente me impressionou, mas pouco importa o que senti no meu coração; ainda tenho um cérebro. É preciso que você me dê uma razão muito boa para satisfazer a minha inteligência. Você compreende? Se aceitar Jesus como meu Salvador, perderei a minha mulher e o meu filho e irei parar no olho da rua!...”


Foi assim que começou o meu caminho na fé, um caminho do qual jamais me arrependi.



Jean-François decidiu então saber mais sobre o catolicismo, que desconhecia embora tivesse sido batizado quando criança. Recorreu primeiro ao casal católico e depois a alguns livros. Ficou fascinado sobretudo com o fato de Jesus Cristo ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem e com a descoberta da misericórdia divina. Essas duas realidades, que lhe revelaram um Deus capaz de sofrer por amor dos pecadores, contrastavam enormemente com o que aprendera no movimento Hare Krishna, segundo o qual só os puros podiam aproximar-se da divindade. Jean-François acabou deixando a comunidade, sozinho e sem nenhum dinheiro, e voltou de bicicleta para Montreal, onde ainda vive. O seu filho juntou-se a ele mais tarde, depois de converter-se também ao catolicismo graças a umas aulas de catecismo que o pai lhe enviava sob a forma de apostilas. Pode-se ouvir o seu testemunho em inglês no site Triumph of Truth


1 - O Bhakti-yoga é um método ascético hindu que tem por fim aumentar da devoção amorosa a Deus. Os grupos bhakti são monoteístas, reconhecendo Vishnu, Shiva ou Krishna como divindade suprema, e não fazem distinção de castas. Geralmente, esses grupos propõem aos seus fiéis um caminho de nove atividades para ajudá-los a atingir o amor puro; entre elas, encontram-se o canto, a pregação, a oração e as posições corporais. Os mantras são frases ou palavras que, repetidas continuamente, servem para ajudar o fiel a concentrar todo o seu entendimento num único propósito (N. do E.).

2 - Medjugorje é uma pequena paróquia na cidade bósnia de Čitluk. Seis moradores dali (quatro mulheres e dois homens), segundo afirmam, vêm tendo visões freqüentes de Nossa Senhora desde 1981. O lugar tornou-se um foco de peregrinações e tem produzido frutos, como conversões, curas, aumento de piedade, difusão do culto mariano, etc. Por outro lado, há vários pontos duvidosos acerca da autenticidade das aparições: a plena ortodoxia das mensagens, a idoneidade dos videntes, a obediência de algumas pessoas associadas às aparições à legítima hierarquia, etc. O bispo local, a conferência episcopal iugoslava e posteriormente a bósnia, bem como a Santa Sé, têm-se manifestado com muita cautela, sem aceitar que o fenômeno seja de origem sobrenatural (N. do E.)

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