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A TV como tema transversal

Por Bete Nogueira
Revista Nós da Escola



A televisão é parceira ou inimiga da educação? Depende de quem a faz – e de quem assiste. Afinal, também é responsabilidade do público avaliar, criticar e recusar os eventuais lixos eletrônicos que todos os dias insistem em entrar nas nossas casas, e procurar novas alternativas via controle remoto. Cada vez mais há pesquisadores e educadores preocupados com a influência que as produções exercem especialmente sobre as crianças e adolescentes, e os apelos da programação por conta da busca desenfreada pela audiência.

Quem analisa os programas televisivos, como o sociólogo e jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, está sempre atento às formas e mensagens que podem levar uma boa idéia adiante para a formação do público ou, infelizmente, prestar um desserviço à sociedade. Professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicação e Artes da USP e da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, Laurindo acredita que o papel do educador é estudar, analisar e debater o papel da televisão, sempre. E dá o exemplo, às voltas com diversas atividades com esse mesmo fim: ele integra o grupo de acompanhamento da programação de TV da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e apresenta o Ver-TV, programa de análise da televisão brasileira (TV Câmara, quinta-feira, às 22h30).

Em seu último livro, A TV sob controle (Summus Editorial), Leal faz uma compilação de textos publicados entre 1999 e 2005 sobre o assunto. O jornalista já havia se debruçado sobre o assunto em outras publicações, como A melhor TV do mundo – o modelo britânico de televisão, onde analisa o sucesso da BBC de Londres, que se mantém como referência de produção de qualidade em TV e rádio, e o controle público que existe até em canais comerciais nas ilhas britânicas.

Por isso, na sua emissora ideal, ingredientes indispensáveis seriam um telejornalismo com notícias contextualizadas, em um ritmo que o público tivesse tempo de refletir, e programas para crianças que juntassem entretenimento e educação. Isso, de preferência, sob a supervisão de um órgão regulador eficiente, como existe em países como França, Alemanha, Suécia, Canadá e no já citado Reino Unido. Laurindo Leal foi um dos convidados do 1º Colóquio Mídia e Agenda Social, evento que aconteceu em outubro, paralelamente ao 3º Encontro Internacional Rio
Mídia, da MULTIRIO.


Acompanhe:

Revista Nós da Escola - Há quanto tempo o senhor faz análise crítica da TV brasileira? De lá para cá, o que melhorou e o que piorou?
Lalo Leal - Faço isso há muito tempo. Acredito que desde que comecei como profissional de rádio e de televisão – lá nos anos 1960 – sempre estabeleci algum tipo de crítica ao que era produzido. No entanto, de forma mais sistemática, posso dizer que realizo esse tipo de trabalho desde a década de 1970, quando passei a trabalhar também em universidades. Posso dizer que de lá para cá a televisão evoluiu tecnicamente, alcançando uma qualidade que não fica nada a dever às grandes redes de todo o mundo. No entanto, quanto ao conteúdo, o mesmo não ocorreu. Pelo contrário: a imposição cada vez maior do mercado sobre a televisão, medida pelos índices de audiência, fez com que a qualidade caísse muito. A necessidade de uma resposta imediata do público inibe a produção de programas com novas linguagens e conteúdos diversos dos apresentados hoje.


Revista Nós da Escola - É válida a teoria de que com a chegada da TV por assinatura, os canais abertos abriram ainda mais espaço para os programas de baixa qualidade?
Lalo Leal -
Não há estudos que provem isso. Acredito que essa não é a principal razão da queda de qualidade, mesmo porque a televisão por assinatura atinge um público ainda muito restrito: menos de 10% da população brasileira. Uma razão talvez mais concreta seja a luta desenfreada pela audiência, cada vez mais intensa.


Revista Nós da Escola - A TV pública que está estabelecida há anos, de alguma forma, tem cumprido o seu papel como produtora e exibidora de conteúdo educativo?
Lalo Leal -
Infelizmente não, com algumas exceções. Na verdade, não podemos dizer que exista TV pública no Brasil. Na maior parte dos casos, são emissoras estatais submetidas aos humores dos governos que as controlam. Até há uma exceção importante, a TV Cultura de São Paulo, que teoricamente seria independente do governo paulista, mas está cada vez mais submetida a ele. De pública ela tem pouco. É cada vez mais estatal e, recentemente, comercial, com a venda de publicidade em sua programação.


Revista Nós da Escola - O senhor foi chamado para ser conselheiro da emissora pública (TV Brasil) que o governo federal está criando?
Lalo Leal -
Não, eu apenas colaborei na formulação do projeto da TV Brasil como integrante do Grupo Executivo formado pelo ministro Franklin Martins.


Revista Nós da Escola - No prefácio de A TV sob controle, o senhor fala que na redemocratização confundiu-se liberdade de imprensa com liberdade de empresas. Os brasileiros ainda estranham quando alguém se dispõe a falar da qualidade dos programas? Em outras partes do mundo, esta função é vista de forma mais positiva?
Lalo Leal -
Televisão é concessão pública. São privilegiados aqueles poucos que podem se utilizar do espectro eletromagnético, um patrimônio de toda a sociedade. Portanto, todos têm o direito de exigir um uso adequado, segundo os seus interesses, desse espaço. Para isso são necessários organismos que representem o público e exerçam essa função reguladora, como ocorre em países com democracias consolidadas.


Revista Nós da Escola - Qual é a parte de cada um neste cenário cheio de programas abaixo da média: governo, anunciantes e população?
Lalo Leal -
Em relação ao governo, e a todos os governos, sente-se uma grande dificuldade em enfrentar a questão da radiodifusão de uma forma mais duradoura. Há muitos anos espera-se por uma legislação moderna para o setor, que dê conta das transformações tecnológicas, políticas e sociais das últimas décadas. Mas os governos temem a reação dos radiodifusores e relutam em propor as transformações jurídicas que são cada vez mais urgentes. Quanto aos anunciantes, falta uma conscientização maior sobre as suas responsabilidades. Só mais recentemente com a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” alguns anunciantes passaram a se preocupar com o problema e deixaram de patrocinar programas que claramente violavam os direitos humanos. Mais ainda são poucos os que fazem isso. À população cabe pressionar governos, anunciantes e emissoras para que tenhamos uma televisão que contribua para a elevação dos padrões de civilidade e não faça o contrário, como ocorre hoje.


Revista Nós da Escola - O governo está de “mãos atadas”, ou com as leis que existem hoje seria possível cobrar mais das emissoras?
Lalo Leal -
É possível a partir da própria Constituição. Ela diz, por exemplo, que a produção e a programação das emissoras de rádio e de televisão atenderão preferencialmente “a finalidades, artísticas, educativas, culturais e informativas”. Sabemos que poucas emissoras seguem isso à risca. E mais, a Constituição diz também que o rádio e a TV devem respeitar os “valores éticos e sociais da pessoa e da família”. E que os meios de comunicação não podem, “diretamente ou indiretamente, ser objeto de monopólio”. Sabemos que nada disso é cumprido. Portanto, o governo não está de “mãos atadas”.


Revista Nós da Escola - E qual o papel dos educadores?
Lalo Leal -
Estudar, analisar e debater o papel da televisão. É preciso fazer o que alguns países da Europa fazem há muito tempo: alfabetizar para a mídia. Ou seja, fazer com que crianças e adolescentes entendam como funcionam os meios de comunicação, seu papel na sociedade, seus interesses, suas relações com o poder. Cabe à escola auxiliar na formação de novas gerações de telespectadores mais críticos e exigentes. É fundamental que a TV esteja cada vez mais presente na sala de aula, não apenas como acessório auxiliar do professor, mas como objeto de análise.


Revista Nós da Escola - Segundo dados da campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, liderando o ranking dos piores programas estão as novelas, campeãs de reclamações por motivos como a incitação à erotização infantil. O fato de termos uma forte produção de novelas acaba sendo negativo?
Lalo Leal -
Sob o ponto de vista da formação de crianças e jovens, sim. Não apenas a erotização precoce, mas a violência indiscriminada e gratuita são fatores de grande perversidade, explorados sem nenhum cuidado pelas novelas.


Revista Nós da Escola - O senhor acha válida a inserção de mensagens de cidadania, ecologia etc. em diálogos de novelas? Não seria uma incoerência passar esse tipo de recado e colocar cenas de violência e sexo em horários inapropriados, além da inserção de merchandising?
Lalo Leal -
O chamado “merchandising social” é simplesmente uma tentativa das emissoras de criarem um álibi para se defenderem das críticas que recebem por suas ações deletérias.


Revista Nós da Escola - É comum no Brasil as pessoas copiarem o que há de pior no exterior. O que a gente poderia copiar de bom, pelo bem dos telespectadores, especialmente os mais jovens?
Lalo Leal -
As formas de regulação da TV que existem tanto na Europa como nos Estados Unidos. A televisão brasileira copiou a norte-americana apenas no que diz respeito ao que ela tem de pior: a disputa comercial por audiência. Vamos ao que ela tem de bom: um órgão regulador como a Comissão Federal de Comunicação (FCC na sigla em inglês), nós deixamos de lado. Nós nunca pensamos em trazer para cá experiências de países como o Reino Unido, França, Alemanha, Suécia, Canadá, por exemplo, onde existem órgãos reguladores fortes e atuantes, funcionando como importantes canais de relacionamento entre a sociedade e as empresas concessionárias de canais de televisão.


Revista Nós da Escola - Qual a sua expectativa com relação à TV digital (que estreou oficialmente este mês, em São Paulo)?
Lalo Leal -
Já foi maior. Independentemente de como venha a ser usado o padrão japonês adotado pelo Brasil, a pressão brutal exercida pelas emissoras – e particularmente pela Rede Globo – sobre o governo é um indício forte de que nada mudará. Teremos imagens mais nítidas mostrando o mesmo conteúdo de hoje. A minha esperança – que, infelizmente, vai diminuindo – é que a televisão digital contribua para aumentar a diversidade de ofertas televisivas no Brasil. A nova tecnologia permite isso, mas quem não permite são os atuais concessionários.


Revista Nós da Escola - Se o senhor criasse uma emissora, que tipo de programa não faltaria em sua grade?
Lalo Leal -
Um telejornalismo com pautas totalmente diversas das que conhecemos, com notícias contextualizadas, num ritmo atraente, mas não frenético. E uma programação infantil capaz de entreter e educar simultaneamente.


Revista Nós da Escola - Como está a percepção dos seus alunos na Universidade sobre essa questão de responsabilidade da TV?
Lalo Leal -
É cada vez maior. Pela primeira vez percebo uma atenção muito grande dos alunos em relação às concessões dos canais de TV. Eles estão bem mobilizados, acompanhando atentamente o processo de renovação das concessões das principais emissoras de TV, vencidas no dia 5 de outubro.


Revista Nós da Escola - Quando o seu programa estava completando um ano, o senhor disse que até aquele momento, não havia nenhum tipo de pressão e que os telespectadores só enviavam mensagens favoráveis. Continua assim?
Lalo Leal -
Continua. Temos tratado de problemas delicados que envolvem grandes interesses, como é o caso das concessões dos canais de TV, e continuamos tendo toda a liberdade para debatê-los. O programa fará dois anos em fevereiro.


Revista Nós da Escola - O senhor gostaria de acrescentar algo, especialmente para os educadores que lêem a nossa revista?
Lalo Leal -
Que coloquem a TV como tema transversal em seus cursos. Há muito o que explorar.



fonte: Rio Mídia - 3 Encontro Internacional

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